As relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos voltaram ao centro do debate político após o governo Lula indicar que a administração norte-americana pode exigir contrapartidas antes de avançar em novas reduções tarifárias. O tema ganhou ainda mais destaque após Washington anunciar, em novembro, a retirada da sobretaxa de 40% sobre parte dos produtos brasileiros, como café e carne — medida que trouxe alívio parcial para setores do agronegócio.
Apesar do gesto positivo, representantes do governo brasileiro avaliam que os pontos mais sensíveis das negociações continuam abertos. Grande parte da indústria nacional permanece fortemente atingida pelo chamado tarifaço, e uma nova rodada de conversas deve envolver exigências diretas por parte da equipe de Donald Trump, que reassumiu sua postura de pressão econômica.
Agronegócio aliviado, indústria ainda sob forte pressão
Embora a retirada da tarifa adicional para alguns itens agropecuários tenha sido bem recebida, a realidade da indústria é bem diferente. De acordo com levantamentos internos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), 22% das exportações brasileiras para os Estados Unidos ainda enfrentam tarifas de 40%, ou uma combinação entre taxas de 10% e 40%, dependendo da categoria.
Além disso, outros 15% continuam sujeitos exclusivamente à taxa adicional de 10%, o que mantém uma barreira significativa para produtos manufaturados — exatamente o setor que mais busca espaço no mercado norte-americano. Para empresários e técnicos do governo, a pressão sobre a indústria brasileira limita competitividade e prejudica setores que já enfrentam desafios internos, como custo logístico elevado e baixa produtividade.
Exportações bilionárias pressionadas pelo tarifaço
Tomando como referência os US$ 40,4 bilhões exportados para os EUA em 2024, o governo estruturou uma força-tarefa para mapear os setores mais prejudicados e preparar argumentos sólidos para as próximas negociações. A intenção é chegar à mesa com dados precisos, mostrando o impacto do tarifaço e defendendo maior equilíbrio comercial entre os dois países.
Essa preparação inclui estudos técnicos, reuniões com representantes da indústria e consultas a especialistas em comércio exterior. A expectativa é que Washington apresente demandas específicas em troca de novas flexibilizações, o que exige do Brasil uma estratégia clara e articulada.
O que os EUA podem exigir do Brasil
Nos bastidores, autoridades brasileiras reconhecem que a Casa Branca dificilmente fará novas concessões sem algo em troca. Embora não haja sinais concretos sobre quais seriam essas contrapartidas, há especulações envolvendo temas como:
- Fortalecimento de parcerias estratégicas;
- Ajustes regulatórios em setores sensíveis;
- Abertura de novas oportunidades para empresas norte-americanas;
- Compromissos de alinhamento em pautas comerciais globais.
Por enquanto, nada está oficialmente sobre a mesa, mas há consenso de que a postura norte-americana deve seguir firme — especialmente após a retomada do discurso protecionista nos EUA.
Sanções contra autoridades brasileiras entram no debate
Além da questão tarifária, há um ponto que o governo Lula considera urgente: as sanções aplicadas pelos Estados Unidos contra autoridades brasileiras, que incluem:
- Suspensão de vistos de ministros;
- Aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Nos círculos do Planalto, a avaliação é que esse tema perdeu justificativa após a reaproximação diplomática entre os países. O governo acredita que agora existe ambiente para solicitar a revisão dessas medidas, consideradas inconvenientes para a retomada plena da cooperação bilateral.
Tentativa de inserir Bolsonaro no diálogo não avançou
Outro ponto que circulou nos bastidores, mas não prosperou, foi a hipótese de que a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro poderia entrar nas conversas. Segundo fontes internas, houve inicialmente a percepção de que parte da diplomacia norte-americana poderia tentar vincular esse assunto às negociações comerciais.
Contudo, o tema não foi oficialmente incluído em nenhum documento ou diálogo formal. A equipe brasileira interpreta isso como um sinal de que Washington prefere manter o debate focado em economia, comércio e questões estratégicas — evitando envolvimento direto em disputas políticas internas do Brasil.
A urgência econômica do governo Lula
Com a indústria pressionada e setores produtivos temendo perda de competitividade, o governo Lula vê a necessidade de agir rapidamente. A preocupação central é impedir que os efeitos das tarifas elevadas se tornem permanentes, prejudicando cadeias produtivas inteiras e reduzindo a presença do Brasil no mercado norte-americano, um dos mais importantes para as exportações nacionais.
A equipe econômica trabalha sob a lógica de que cada mês de atraso nas negociações representa perda de mercado para concorrentes internacionais. Países da América Latina e da Ásia já articulam acordos mais vantajosos com os Estados Unidos, e o Brasil não quer ficar para trás.
Posicionamento de Trump pode redefinir o jogo
A administração Trump é conhecida por sua postura firme e pragmática em relação ao comércio exterior. Se o presidente norte-americano decidir agir de maneira mais contundente, o impacto para o Brasil pode ser significativo. Por isso, o governo Lula acompanha atentamente cada movimento vindo de Washington.
Embora exista a expectativa de manter um canal de diálogo aberto, há o reconhecimento de que Trump tende a adotar negociações baseadas em resultados rápidos e concessões claras, o que pode pressionar o Brasil a equilibrar interesses internos com exigências externas.
Perspectivas para os próximos meses
O cenário segue em evolução e as próximas reuniões entre as equipes diplomáticas serão determinantes. O governo brasileiro espera avançar tanto na redução de tarifas quanto na normalização das relações institucionais, incluindo o tema das sanções.
Analistas de comércio internacional concordam que o Brasil tem oportunidade de ampliar sua presença nos EUA, mas alertam que isso dependerá de estratégia, transparência e capacidade de negociar sem abrir mão de áreas sensíveis para a economia nacional.
Nos próximos meses, a evolução desse diálogo pode definir não apenas o futuro das exportações brasileiras, mas também o tom das relações políticas entre os dois países. Para Lula, o desafio é equilibrar interesses econômicos com a necessidade de preservar a autonomia brasileira frente às exigências norte-americanas — um equilíbrio complexo, mas crucial para o cenário econômico de 2026.

