A manhã de 23 de maio de 2021 marcou um capítulo inédito no Rio de Janeiro. Em pleno domingo ensolarado, a cidade recebeu a primeira mega motociata de que se tem registro no Brasil. Mais de 60 mil motos tomaram ruas, avenidas e acessos da capital fluminense, transformando o evento em um espetáculo que extrapolou o simples ato de pilotar. A Motociata Carioca, como ficou conhecida, tornou-se símbolo de um momento político específico, mas principalmente de uma mobilização que surpreendeu até mesmo seus idealizadores. A magnitude do encontro não aconteceu por acaso. Ela foi inspirada diretamente em um passeio realizado pelo então presidente Jair Bolsonaro, duas semanas antes, em Brasília, no Dia das Mães. Na ocasião, cerca de mil motociclistas acompanharam o mandatário pelas ruas da capital federal, gerando forte repercussão nas redes sociais e incentivando grupos de motociclistas de outros estados a organizarem manifestações semelhantes. No Rio de Janeiro, porém, tudo tomou uma proporção maior do que o esperado.
As Estradas Tomadas Três Dias Antes
O impacto da mobilização pôde ser sentido ainda antes do evento oficialmente começar. Três dias antes da motociata, as principais estradas de acesso ao Rio já apresentavam movimento fora do comum. Comboios e mais comboios, vindos do interior do estado e até de localidades distantes, atravessavam as rodovias em direção à capital. Era evidente que algo grandioso se aproximava. Caravanas organizadas, grupos de motociclistas uniformizados e famílias inteiras acompanhavam o trajeto em apoio ao movimento. A coordenação do grande fluxo ficou a cargo da AMO-RJ, a Associação dos Motociclistas do Estado do Rio de Janeiro, que havia feito o chamado aos participantes. A entidade se viu diante de uma adesão inédita, muito acima de qualquer expectativa anterior. O sucesso dessa primeira edição carioca não apenas marcou a história do motociclismo político no país, como também abriu caminho para que outras cidades replicassem o modelo nos meses seguintes.
O Fator que Transformou um Passeio em Megaevento
Ao analisar o que tornou aquela motociata diferente de qualquer outra concentração motociclista já registrada, muitos buscavam respostas complexas. No entanto, a razão principal era simples: havia por trás da convocação uma figura que, naquele momento, representava a maior liderança entre parte significativa dos brasileiros. O convite partiu do próprio Jair Bolsonaro, e isso bastou para que milhares atendessem sem hesitação. Independentemente da posição política, é inegável que a mobilização só alcançou tamanho impacto porque veio acompanhada da imagem e da influência de alguém que, à época, tinha grande poder de convocação. Não se tratava apenas de um passeio de motos. Era um ato simbólico, carregado de posicionamento político e sentimento coletivo. Muitos participantes viam na presença do presidente a validação que precisavam para se juntar ao evento, e isso ampliou exponencialmente o alcance da iniciativa. Sem essa liderança por trás, dificilmente o encontro teria saído do lugar comum.
A Imagem da Liderança em Movimento
Lideranças fortes têm o poder de transformar até mesmo gestos simples em manifestações de grande escala. Naquele período, a imagem de Bolsonaro sobre uma motocicleta, acenando para multidões e falando diretamente com apoiadores, havia se tornado uma espécie de símbolo. A atuação direta dele como “anfitrião” da motociata reforçou ainda mais o engajamento de seus seguidores. O resultado foi a materialização de uma espécie de demonstração pública de força, não apenas política, mas emocional e identitária. Para muitos participantes, estar ali significava fazer parte de algo maior, de um movimento compartilhado. Por isso, a Motociata Carioca foi vista, posteriormente, como a matriz de todas as outras que surgiram pelo país.
E Se o Convite Acontecesse Hoje?
Passados alguns anos, surge uma reflexão inevitável: seria possível realizar uma motociata semelhante atualmente, com o mesmo impacto? Uma parte dos organizadores e entusiastas do motociclismo político acredita que não. O cenário nacional é outro, o clima social é diferente e a dinâmica da mobilização mudou. Se a AMO-RJ tentasse repetir o convite hoje, dizem muitos, o comparecimento seria incomparavelmente menor. A sensação predominante é de que o contexto não permitiria uma adesão massiva. Uma das razões é o receio generalizado. Parte da população, especialmente aqueles que já participaram de manifestações políticas mais explícitas, demonstra preocupação com possíveis interpretações judiciais, conflitos ou tensões geradas pelo ambiente político atual. O temor de ser associado a atos que possam resultar em problemas legais afastaria muitos que, no passado, participaram sem pensar duas vezes.
A Ausência de uma Liderança de Referência
Outro ponto frequentemente citado é a ausência de uma liderança única com apelo suficiente para convocar multidões como antes. Independentemente de simpatias ou divergências, é inegável que Bolsonaro representou, naquele momento, um catalisador capaz de transformar convocações comuns em grandes movimentos. Hoje, o campo político que antes se mobilizava em torno dessa figura não apresenta nomes com a mesma força simbólica, ao menos não no mesmo patamar de adesão orgânica. Parte dessa lacuna se deve ao desgaste natural do ambiente político. Outra parte se explica pelo distanciamento de muitas figuras públicas após episódios de repercussão nacional. Sem uma referência central para unir diferentes grupos, qualquer evento tende a perder força. A liderança é o elemento que transforma uma ideia em ação coletiva, e sem ela, grandes concentrações tornam-se improváveis.
Uma Memória que Permanece
Mesmo que um evento semelhante não alcançasse hoje a mesma dimensão, a Motociata Carioca permanece como um marco histórico. Ela simboliza um período em que mobilizar dezenas de milhares de pessoas parecia simples quando uma liderança específica assumia a linha de frente. Essa memória ainda ressoa entre muitos motociclistas e participantes, que lembram do evento como algo que dificilmente será reproduzido com a mesma intensidade. Independentemente de posicionamentos políticos, o fato permanece: aquela motociata marcou época, movimentou estradas, mexeu com a opinião pública e estabeleceu um modelo que influenciou manifestações posteriores.

